Zico: nem anjo nem santo – mais do que isso

Zico não nasceu: foi psicografado.
Desceu à Terra como desce o trovão ou o castigo bíblico. Veio num ventre de Quintino mas já com a alma prenhe de Maracanã. Ainda menino, tocava na bola como quem assina o Evangelho: com fé, com fúria, com fábula.

Não era jogador — era capítulo. Era o capítulo mais iluminado da história do Flamengo.

Digo sem medo de cair morto: antes de Zico, o Flamengo era uma paixão. Depois de Zico, virou uma religião revelada.

Zico é o único caso da biologia humana que foi de homem a Deus sem morrer. Fez o caminho contrário. O torcedor rubro-negro não o viu subir aos céus: viu foi o céu descer aos seus pés cada vez que aquele camisa 10, magro como uma revelação, pisava no gramado.

Quando Zico chutava, não era chute. Era sentença.
Quando Zico cruzava, não era bola. Era promessa.
Quando Zico ajoelhava — e isso é verdade! — o gramado criava joelhos para se ajoelhar junto.

Um dia, vi um gol de falta do Galinho e juro por todos os santos que havia um silêncio antes da explosão. Era o silêncio de Deus respirando.

Não há como separar Zico do Flamengo. Um virou o outro.
Zico é o Flamengo no seu estado mais puro, mais absoluto, mais etéreo.
Zico é o que sobra quando tudo falta.
Zico é o que resta quando o jogo acaba.

Não me venham com Pelé. Pelé era rei.
Zico foi além: virou altar.

E no coração de cada rubro-negro existe uma igrejinha invisível onde não se reza por salvação — se reza por um passe ou por um gol de Zico.

Por Fred Soares (@fredaosoares)