Flamengo, uma paixão sobrenatural

Há paixões que não se explicam. Nascem feito um raio num céu sem nuvens, num arrepio que percorre a espinha e se aninha no peito. Chegam devagar, quase como um sussurro, mas quando se instalam, fincam raízes tão profundas que não há exorcismo, razão ou desilusão que as arranque. Assim é o Flamengo. Não é meramente um clube de futebol, com estatutos e CNPJ; é um feitiço ancestral, uma força imanente. Não se torce pelo Flamengo, se é possuído por ele, entregue a uma devoção que desafia a lógica e a própria gravidade.

O homem comum acorda, toma café, cumpre suas obrigações, volta para casa e segue sua rotina. O rubro-negro, antes mesmo de abrir os olhos por completo, já se pega perguntando: “O Flamengo joga hoje?” – mesmo sabendo que não há jogo marcado. Porque no fundo, no íntimo da alma, ele anseia que o Mengão esteja em campo sempre. Todos os dias, a todo instante, em cada pensamento. O coração bate no ritmo do hino, uma melodia que é mais que letra e música, é um mantra: “Uma vez Flamengo, sempre Flamengo!” E não adianta argumentar com a razão, com tabelas ou estatísticas. A razão é um detalhe insignificante, uma partícula de poeira, quando o assunto é o Mengão.

Há algo de profundamente místico nisso. Uma aura que transcende as quatro linhas do campo e invade a vida como um vendaval, um destino irrevogável. O Flamengo não é apenas futebol. É a voz do locutor que ecoa no rádio antigo da infância, nas tardes de domingo, narrando gols que se tornaram lendas. É a camisa herdada do pai, ou do avô, amarrotada de tanto ser usada, passada de geração em geração como um manto sagrado. É a multidão cantando no Maracanã, transformando o estádio num templo, com milhões de vozes unidas num só pulmão, num coro que faz a arquibancada tremer. É aquele gol de barriga do Zico, uma obra de arte imperfeita e genial. É o chute improvável do Petkovic no último minuto, a ginga elegante de Leandro, a explosão de Júnior, o drible desconcertante de Ronaldinho Gaúcho, a frieza de Gabigol em momentos decisivos. É história que se repete, mesmo quando não se repete, porque a paixão é eterna.

E quando o Flamengo perde? Ah, meu amigo, aí o rubro-negro sofre. Sofre na carne, na alma, com uma dor que pouca coisa na vida real consegue replicar. Xinga, pragueja, jura de pés juntos que vai abandonar, que não assiste mais, que é a última vez. Mas no dia seguinte, lá está ele, de novo, vestindo as cores como um escudo, conferindo as notícias, sonhando com a próxima partida. Porque o Flamengo não é uma escolha; é um destino, uma condição. Não se larga o Flamengo. Ele te agarra com unhas e dentes e nunca mais solta, feito um amor incondicional que resiste a todas as tempestades.

E aí, quando menos se espera, quando a esperança já parece ter se esvaído, vem aquele gol nos acréscimos, a virada improvável na Libertadores de 2019, o título brasileiro que parecia impossível em 2009. E o torcedor chora. Chora de alegria, de alívio, de pura catarse. Grita até a voz falhar, abraça o desconhecido ao lado como se fosse o irmão mais querido. Porque no Fla, a alegria é coletiva, uma explosão de êxtase compartilhada por milhões. É uma religião sem dogmas, mas com uma fé inabalável e uma legião de fiéis que se espalham por todos os cantos do planeta.

No fim das contas, ser flamenguista é exatamente isso: uma loucura lúcida, uma sanidade invertida, um amor que não cabe no peito, que transborda e inunda tudo. Um sentimento que, quando você tenta definir, explicar em palavras, só consegue dizer, com um sorriso no rosto e o coração acelerado: “É o Flamengo, ué!” E quem é do Mengão, quem carrega o Rubro-Negro na alma, entende perfeitamente.

E os outros? Bem… Os outros nunca vão entender.

Por Fred Soares (@fredaosoares)